domingo, 23 de outubro de 2011

Saudades do que não fui...



Hoje me deparei com este texto de Fernando Pessoa, e chorei, pois ele é grande parte do interior do João... Aí está o texto... Primeira parte da minha biografia.

Reconheço, não sei se com tristeza, a secura humana do meu coração. (...) Mas às vezes sou diferente, e tenho lágrimas, lágrimas das quentes dos que não têm nem tiveram mãe; e meus olhos que ardem dessas lágrimas mortas ardem dentro do meu coração. Não me lembro da minha mãe. Ela morreu tinha eu um ano. Tudo o que há de disperso e duro na minha sensibilidade vem da ausência desse calor e da saudade inútil dos beijos de que me não lembro. Sou postiço. Acordei sempre contra seios outros, acalentado por desvio.
Ah, é a saudade do outro que eu poderia ter sido que me dispersa e sobressalta! Quem outro seria eu se me tivessem dado carinho do que vem desde o ventre até aos beijos na cara pequena? Talvez que a saudade de não ser filho tenha grande parte na minha indiferença sentimental. Quem, em criança, me apertou contra a cara não me podia apertar contra o coração”... 

Livro do desassossego, pag. 65 e 66. gyn primavera de 2011

Nenhum comentário:

Postar um comentário